14 janeiro 2006

Sexo, Mentiras e Presidência

Principio da primavera de 2005. No fim de mais um dia de aulas, o Prof. Aníbal Cavasilvas preparou-se para regressar a casa. Sentia uma necessidade urgente de se sentar no seu escritório, beber dois ou três medronhos e aliviar a mente. Estava cansado, o papel de professor aborrecia-o mais do que outra coisa, já não se sentia com força nem motivação para aturar os alunos, muito menos para responder a perguntas complicadas. O mundo evoluí rapidamente e as suas teorias de economia que fizeram o seu sucesso há duas décadas atrás estavam mais do que ultrapassadas; já não tinha vontade de continuar a aturar meninos queques por meia dúzia de euros mês. Alem disso, o Tabu que se arrastava há meses e meses, não o deixava dormir nem descansar. A incerteza roía-lhe as entranhas, as noites eram longas, entremeadas de pesadelos e euforias. Apesar de todos os apoios prometidos, o medo de voltar a perder e o ridículo em que cairia uma vez mais estavam a minar-lhe a existência.

Tinha acabado de entrar em casa, quando tocou o telefone. Porra, um gajo nem tempo tem de degustar um medronho em paz, que esta porcaria já está a tocar. Que se lixe, não atendo. Mas o telefone continuava a tocar, insistentemente. Contra vontade, dirigiu-se para a mesinha, para ver de quem era a chamada. Apercebeu-se que era o José Dias Toupeiro, seu fiel amigo e companheiro de longos anos e muitas lutas. Agarrou rapidamente no aparelho e respondeu:

-Tou sim, fala o Aníbal.
- Olá, Aníbal. É o Zé Dias.
- Viva, Zé, então tudo numa boa? Estava a abrir a porta quando ouvi o telefone tocar e vim logo a correr. Novidades?
- Pá, já consegui o contacto relativo ao assunto Tabu. O meu compadre, o Cobre Rodrigues apresentou a proposta ao Zé Choques.
- E então, o que é que o fulano diz?
- Está disposto a negociar.
- Tens a lista das exigências dele?
- Tenho. Nada de muito complicado, como já te tinha dito. O gajo gosta do poder e da boa vida, e como diz o meu canalizador, dá o cu por cinco tostões, disse o Zé Dias rindo da sua própria piada.
- Então, o que é que ele pretende, perguntou o Aníbal já em pulgas.
- Quer ganhar as próximas legislativas para ficar mais quatro anos no poder. Exige que mantenhas o Luís Marca Menos à frente do PSD pelo menos até às próximas eleições. Quer que arranjes um tacho para o Jorge Lebre, fora do estado para não dar muito nas vistas. Quer também que não o chateies quando for de férias. Diz que só tira dois meses por ano, repartidas entre o safari em África, o esqui na Suíça, o cruzeiro nas Caraíbas e uma semana para as Feiras Novas de Ponte de Lima.

-Pá, podes garantir-lhe isso. Mas ele tem que me assegurar que ganho logo à primeira volta.

O Professor Cavasilvas, apesar do apoio garantido da imprensa e televisão, dos grupos bancários, dos grandes empresários e dos Portugueses, não tinha o apoio do Povo Simples. E tinha um medo de morte de afrontar o candidato socialista. É que o António Vitaminas, aureolado com o título eterno de Comissário Isento e Competente, tinha granjeado um estatuto semidivino junto do Povo Simples, e ele, Cavasilvas, era solenemente detestado por esse mesmo Povo Simples. Só avançaria, se o Zé Choques lhe garantisse que de uma forma ou outra colocava o Vitaminas na prateleira.

- Pá, está descansado. Podes preparar o anúncio da candidatura. Está no papo. O Zé Choques garantiu-me que se estiveres de acordo com as condições dele, elimina o António Vitaminas e apresenta um candidato que te permite ganhar com 57.5% à primeira volta.

- OK. Diz-lhe que aceito as condições dele. Quando é que pensas que tens a resposta?
- Se calhar, ainda hoje, o mais tardar amanhã.
- OK, Zé. Conto contigo. Um abraço pá.
- Até logo, Aníbal, e vai preparando o anúncio do fim do Tabu.

O professor Cavasilvas pousou o telefone, dizendo para si mesmo – desta vez, está no papo. O trabalho que tinha feito na sombra para ajudar o Zé Choques a chegar ao poder ia finalmente pagar. Saboreando já os próximos anos de poder, com viagens aos quatro cantos do mundo, discursos solenes sem perguntas aborrecidas, inaugurações, etc. etc., engoliu um cálice de medronho, depois outro. Estava num estado de semi-embriaguez, provocada pelo álcool e pela sensação antecipada de poder quando chegou a Maria.

-Aníbal, já estás em casa, querido?
-Estou aqui no escritório, Maria.
Entrando no escritório, a Maria aproximou-se do marido e beijou-o ao de leve na face, como de costume. Qual não foi a sua surpresa, quando o Aníbal, agarrando-a pelo braço, a puxou para ele, e metendo as mãos por baixo da saia, lhe começou a acariciar as coxas. Credo, homem, o que te aconteceu? Há meses ( anos mesmo ?) que o Aníbal estava apático e distante, chegando cansado a casa, queixando-se de dores de cabeça frequentes; respondendo por monossíbalos.
Em dois tempos e três movimentos, o Aníbal desapertou o cinto, tirou as calças e, levantando a saia da Maria, penetrou-a ali mesmo, no chão do escritório, como nos tempos remotos em que cavava milho no seu Algarve natal. Arfando como um touro, balbuciou-lhe ao ouvido palavras sem nexo – ela apenas percebeu papo, presidente, choques. A Maria, ainda não refeita da surpresa de ter o seu Aníbal entre as pernas, pensava – de uns tempos a esta parte já não respondia coisa de jeito a nada, bem me parecia que a coisa ia dar para o torto. O meu Aníbal está a ficar tarado!

Depois deste momento de loucura animal, o Professor Cavasilvas, quase envergonhado, retirou-se discretamente, foi para a cozinha fazer um chá acompanhado de um livro de economia para disfarçar a impaciência que lhe roía o ventre. Quando é que o Zé Dias lhe ligaria, para lhe comunicar a resposta do Zé Choques?

Pouco antes da meia noite, já o Professor Cavasilvas dormitava, agarrado ao compêndio de economia moderna, datado de 1960, quando o telefone tocou. Saltando disparado da poltrona, quase se espalhando no chão ao tropeçar no pé da mesa de sala, agarrou no telefone:

-Tá, fala o Aníbal
- Boa noite, Aníbal. É o Zé.
- Então, tens a resposta?
- Tenho. Ganhamos.
- Então?
- O Zé Choques manda dizer que vai anunciar que o PS apoia formalmente o Velho como candidato do partido às próximas eleições. Está no papo, pá.
- Não pode ser, Zé Dias. O Velho está quase senil, tem bicos de papagaio, confunde partidos e deputados, adormece nas reuniões, ele não aceita uma coisa dessas. Ainda por cima, afirmou o ano passado que nunca se candidataria a mais nada.
- Isso foi o ano passado. Sabes como é o Velho. Vaidoso, agarrado ao poder; agora que o filho já não consegue ganhar nada, pensa que tem o dever de voltar a assumir o comando das operações. Em todo o caso, o Zé Choques tem a certeza de que ele aceita. E como se trata do Deus socialista, o Vitaminas e os outros tem de comer e calar. Está no papo, Aníbal. Podes anunciar amanhã que te candidatas.
- Não, não. Esperemos primeiro que o velho faça o anuncio, depois eu faço o meu. Mas se realmente o Zé Choques o conseguir convencer, é verdade, desta vez está no papo.


22 de Janeiro de 2006, 20H
Noticia de abertura dos telejornais : Segundo todas as sondagens efectuadas à boca das urnas, o Candidato Independente Aníbal Cavasilvas, apoiado pelos Portugueses e pelo Povo Simples, é eleito Presidente na primeira volta das eleições presidenciais com 57.5% dos votos.

NDS.

Esta história é ficção autêntica. Qualquer semelhança com situações ou personagens existentes ou tendo existido é pura coincidência.

1 Comentários:

Às 23:29 , Anonymous Anónimo disse...

Boa ficção! Mas, será ficção? Realidade ficcionada? Realidade apenas?
Estamos f******
http://desgovernos.blogs.sapo.pt/

 

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